Começa hoje, em Santa Maria, uma grande campanha para mobilizar a comunidade, empresariado e instituições a contribuir para que a tragédia da boate Kiss não seja esquecida. Um ato na Praça Saldanha Marinho, às 10h, marca o início do financiamento coletivo para a construção do Memorial às Vítimas da Kiss. A iniciativa é da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), da prefeitura e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS).
A Praça Saldanha Marinho – local onde, a cada dia 27, ocorrem as homenagens aos 242 mortos no incêndio da boate – foi o local escolhido para ser o palco do ato. Durante o evento, será feita a explicação detalhada de como vai funcionar a campanha, bem como os passos seguintes à arrecadação.
O memorial deve ser viabilizado ao fim de três etapas, sendo que duas elas, via um financiamento coletivo. A primeira é a realização de um concurso público nacional de arquitetura para selecionar o projeto da obra. O segundo será a contratação do vencedor do concurso para a elaboração dos projetos necessários. A última parte, a construção do memorial – no local onde funcionava a boate que incendiou em janeiro de 2013 –, terá recursos captados em outro momento.
Sete são autuados por embriaguez ao volante em Santa Maria
Para marcar o início da campanha, serão realizadas as primeiras doações por pessoas escolhidas pela associação. Na sequência, a plataforma online juntos.com.vc/memorialkiss será aberta ao público.
Quatro computadores serão disponibilizados ao público, na Praça Saldanha Marinho, para quem quiser contribuir, com cartão de crédito ou pagamento online. Também será possível fazer a doação via celular, usando a internet wi-fi que será disponibilizada no local. O prazo para colaborar termina no dia 2 de outubro.O lançamento da campanha, hoje, será marcado por diversas apresentações artísticas. A programação inclui apresentação do Coral Illumina, formado por alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Duque de Caxias, do cantor Beto Pires e do projeto Orquestrando Arte.
Dando novo significado a nossas perdas
De acordo com o arquiteto do IAB-RS e coordenador do Concurso Público de Arquitetura para o Memorial das Vítimas da Boate Kiss, Tiago Holzmann da Silva, a campanha de financiamento coletivo vai permitir a construção do memorial de forma exemplar:
– Acreditamos que, com apoio dos familiares e de toda a comunidade teremos um processo técnico transparente e agregador que garante a alta qualidade do resultado final.
O presidente da AVTSM, Sérgio da Silva, observa que a campanha de arrecadação de doações para viabilizar a construção do memorial traz um novo significado à dor da tragédia e coloca, novamente, a associação e a prefeitura como protagonistas da luta contra o esquecimento.
Sérgio acredita que o engajamento das pessoas durante a campanha de financiamento será uma resposta para o Estado, para o Brasil e para o mundo de que a cidade está lutando para lidar com as consequências da tragédia. O presidente espera que a mobilização durante a campanha de financiamento coletivo seja efetiva e possa viabilizar a construção do Memorial às Vítimas.
UFSM abre inscrições para 244 vagas em cursos gratuitos de línguas estrangeiras
– Esperamos que a sociedade demonstre empatia com a nossa causa. A participação de todos é muito importante para atingirmos o objetivo de homenagear as 242 vítimas que perderam a vida nessa tragédia que marcou nossa cidade – destacou.
O memorial será construído no local onde funcionava a boate Kiss, que incendiou em 27 de janeiro de 2013. O prédio foi desapropriado pela prefeitura no dia 10 de julho deste ano. A demolição do prédio e a entrega do terreno à AVTSM estão previstas para ocorrer até 27 de janeiro de 2018 – data em que a tragédia completa cinco anos.
COMO CONTRIBUIR

Formas de contribuição
– Pessoas físicas ou jurídicas podem doar utilizando a plataforma de financiamento coletivo disponível no site www.juntos.com.vc/memorialkiss, de hoje até 2 de outubro
– Ao acessar a página, o doador deve clicar em "Apoiar este projeto" e escolher o valor desejado para a doação
– O pagamento será feito com cartão de crédito ou Moip (pagamento online). Há ainda a possibilidade de emitir boleto bancário, principalmente para as empresas
– As doações são declaráveis no Imposto de Renda e, dependendo do valor, o doador poderá ter direito a uma recompensa
– Mais informações aqui
Valores mínimos
– Para pessoas físicas –R$ 50
– Para empresas – R$ 1 mil
– Para os familiares das vítimas, haverá a possibilidade de doar um valor diferenciado
Metas
– Meta mínima – R$ 250 mil. Viabiliza o concurso completo, eventos, exposição, catálogo, premiações
– Meta 2 – R$ 400 mil. Contempla também os honorários do vencedor do concurso referentes ao projeto de arquitetura e paisagismo
– Meta ideal – R$ 500 mil. Inclui complementação dos honorários do vencedor e projetos complementares (estrutural, hidrossanitário, elétrico, luminotécnica, PPCI e outros)
Toda a comunidade é sobrevivente, diz especialista
Não é incomum encontrarmos moradores de Santa Maria se dizendo fartos sobre o tema Kiss. Eles justificam que nem protestos, vigílias ou memoriais serão capazes de reverter a tragédia. Para eles, o ideal para a cidade seria seguir em frente, sem olhar para trás.
Porém, especialistas que participaram de um seminário organizado pela AVTSM, em janeiro passado, dizem que esquecer não é a melhor política. É o que afirma o professor de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Márcio Seligmann-Silva, que deu palestra sobre o tema Memória, Trauma e Reconstrução.
Ele diz que, mesmo quem não foi diretamente afetado pela tragédia, como familiares e amigos das vítimas, também são sobreviventes. Mas, na condição de "testemunhas", cabe a esses "reconstruir a casa", mas sem descartar a memória. Ele usa a Alemanha como um dos exemplos de postura positiva, por tratar do tema com as vítimas do holocausto – processo de conversa que levou 15 anos.
Semana começa com frio e termina com muito calor
– Espaços de memoriais têm de ser discutidos com toda a comunidade, porque toda a comunidade é sobrevivente – afirmou.
A opinião é reforçada pela doutora em Antropologia e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Virginia Vecchioli. E ela acrescenta que os memoriais permitem expressar, perante o resto da sociedade, a legitimidade da dor de quem perdeu entes queridos.
– Eles são decisivos como ferramenta de reparação simbólica às vítimas e seus familiares. Com o memorial, Santa Maria está dizendo que cada uma das histórias dos jovens importa.

POR QUE É IMPORTANTE QUE A SOCIEDADE COLABORE?
"Para nós, é muito importante que a população contribua e se sinta dona desse memorial. Ele será um espaço público, então, quem ajudar, estará construindo parte da história da cidade. E o memorial é para lembrar o que aconteceu para que nunca mais se repita. Mas, a proposta não é lembrar a tragédia, o que aconteceu de ruim. O objetivo é que seja um lugar em prol da vida. Que o espaço ganhe um novo significado."
Flávio José da Silva
Vice-presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM)
"A gente nunca vai esquecer essa tragédia e essa iniciativa não é só importante só para as vítimas, mas a cidade toda foi abalada. Eu perdi 58 amigos e, em todos os lugares que vamos, em qualquer lugar do mundo, quando a gente fala que somos de Santa Maria somos lembrados pela tragédia. Então temos que fazer de tudo para ajudar a prevenir que outras tragédias aconteçam."
Admar Pozzobom
Presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria
"Esta segunda-feira será um dia muito importante. Quando a gente anunciar o início das arrecadações será dado o segundo passo concreto deste projeto. O passado ficará sempre marcado por essa tragédia, mas o futuro depende de nós."
Jorge Pozzobom
Prefeito de Santa Maria
¿Para dizer em voz alta que 'todos somos Santa Maria', que todos os integrantes desta comunidade compartilhamos a dor causada pela tragédia, que estamos dispostos a não esquecer, a rever os erros do passado e construir uma memória orientada para o futuro, para o cuidado do futuro de nossos filhos e filhas e para o futuro de todos nós como comunidade. O memorial significa que a cidade aprendeu com o que aconteceu e se dispõe a evocar a perda, mas olhando sempre para o futuro. Neste futuro, todos os santa-marienses estamos envolvidos. Por isso é que todas as pessoas da comunidade deveriam contribuir a este projeto, que não é das vítimas e dos familiares, é da cidade toda.
Virginia Vecchioli
Doutora em Antropologia, professora da UFSM